segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Regressar a casa.

Há uma história muito bonita que o Manuel António Pina gostava de contar, ele que preferia regressar a partir; ele que repetia histórias como quem regressa a casa. Contou-ma pela última vez no Verão de 2011, durante a conversa que integra o livro Regressar a Casa com Manuel António Pina (ed. Abysmo), do qual faz parte a curta-metragem As Casas Não Morrem, realizada pelo Pedro (Macedo). 
Disse-me, então, o Pina: "(...) o regresso a casa concreto, de uma viagem concreta, de um tempo concreto e de circunstâncias concretas, acaba por ter as formas que, em diferentes textos – penso eu, que também reflicto sobre isso –, assumem esses sentimentos, o que é explicável talvez em termos ensaísticos ou lógicos ou psicológicos... Sei lá... Ou psicanalíticos ou o diabo que os carregue... São formas, só formas para o regresso concreto: chegar de avião a casa, começar a circular de avião aqui pelo Porto, aproximarmo-nos do aeroporto... Ainda por cima, os aviões passam aqui por cima da minha casa, desta casa, para aterrarem no aeroporto em Pedras Rubras. Vemos a casa lá em baixo, depois chegamos, entramos em casa e vemos os móveis, os animais reconhecem-nos, até os próprios móveis nos reconhecem... São formas de dizer a mesma coisa, formas que assume o regresso, em cada poema concreto ou em cada texto concreto, mesmo nas crónicas. No fundo, o que se quer dizer é: «Não te afastes de mais de ti». Só até usares metade das tuas forças para depois teres metade para regressar. E nunca te afastes assim tanto que deixes de ver a cor do teu telhado. Há um poema assim..."

Eis o poema (sublinho os versos que retomam esta história):

[A CERIMÓNIA]

Não separarás, disse ele
com a mão sobre a minha cabeça,
o que foi unido
pela dor e pelo dinheiro.

Não cometerás adultério,
nem voltarás
pelo mesmo caminho
quando regressares.

Não te afastarás mais
do que te permitirem
a metade das tuas forças
e a cor, ao longe, do teu telhado.

À tua mesa se sentarão
os aduladores e os caluniadores
sem que os inquietes
com a tua reprovação.

E pagarás com o trigo
do teu celeiro
aos teus assassinos
e dos teus filhos,
e os abrigarás
se forem perseguidos
disse ele com uma mão sobre a minha boca
e outra sobre os meus ouvidos.


Dei-me conta, há uns dias, de que me andava a afastar de mais de mim. E de que, nessa viagem de afastamento, usei mais de metade das minhas forças. E de que deixei de ver a cor do meu telhado. Porém, guardo na memória essa cor e julgo que as forças que me restam me vão permitir refazer o mapa. Enquanto o estiver a desenhar, recuperarei as forças. E depois bastará pôr-me a caminho. Mesmo que seja outro o caminho. Por agora, regresso a esta casa, a este blogue. Não a pedido de várias famílias, como se costuma dizer, mas a pedido da minha única família, a que inclui os amigos com quem estive há uns dias e que abriram alguns dos trilhos do caminho que conduz à minha casa.

Foi no baptizado da Mat. que me dei conta de que a minha família lia mesmo este blogue. Anotei as reclamações sobre a minha ausência e sobre a minha fraca assiduidade e cá estou eu outra vez, inspirada pelas minhas novas funções. E velhas: a Mat. é a minha quinta afilhada. A primeira foi a I., que já anda na Faculdade; a segunda foi a M., que já anda no Liceu; o terceiro foi o F., que já é maior que eu e — pior — já é adolescente; o quarto foi o J., que já anda na Primária; e a quinta foi, então, a Mat., a completar, com as suas bochechas e o seu espanto, uma mão e um coração cheio de afilhados. Há gente com sorte. (Agora, entraria aqui bem um PIM!)

O baptizado da Mat. foi lindo. Comemos tantos doces que, se nós passámos a noite com dores de barriga, a nossa roupa passou a noite com nódoas de todos os tamanhos e de todas as cores. Há tarefas que têm que ser cumpridas com zelo. Como comer chocolates, bolo e macarons.



Macarons e flores nos centros de mesas (ideia de uma das avós da Mat.). 
O M. ansioso por sair de casa (camisa Zara; calções Burberry; sapatos Paez).


A Mat. tinha um vestido Chloé maravilhoso e umas sabrinas Marie-Chantal
que o Tio M. trouxe de Londres. (Aqui não se vêem, o que é uma pena, 
porque eram lindas, lindas.) 


Há quem deteste casamentos e baptizados. Mais do que funerais. Não é o meu caso, como é evidente. Desde que sejam casamentos e baptizados dos meus: da minha família, dos meus amigos. Gosto tanto que, neste caso, e só neste caso, até votaria na coligação: casamento + baptizado (casamento mais baptizado, com a presença de todos os líderes em todos os debates e momentos). Perguntam-me: "Mas o que fazes tu nos casamentos e nos baptizados para além de ficar sentada na mesa a bebericar vinho tinto, vinho branco, champagne, digestivos, etc, etc?!" E eu, que até agora demorava demasiado tempo a justificar-me, vou passar a responder, citando um livro maravilhoso que comprei há dias: "Nada de nada. E está-se bem assim." 




O tempo do gigante (ed. Orfeu Mini), de Carmen Chica e Manuel Marsol, vai ser apresentado este sábado, dia 3, às 16h, na Ler Devagar, em Lisboa. É um belíssimo e comovente livro sobre a passagem do tempo, o sonho e essa majestosa e tão inútil prática do não-fazer-nada-e-assim-é-que-se-está-bem, prática de que tendemos a esquecer-nos conforme vamos crescendo. E isso, meus caros, é como perder o caminho de regresso a casa. PIM!