segunda-feira, 18 de agosto de 2014

São Pedro de Moel é nosso.


Em S. Pedro de Moel, o tempo é traiçoeiro, mas o Tempo, sempre veloz, sempre apressado, salta o muro e, do outro lado, encosta-se ofegante à parede e abranda. Nos dias perfeitos, como o de ontem, chegamos à praia às 10h, saímos da praia às 20h e de casa dos amigos às 23h. Passam-se, nisto, anos. Demora muito tempo matar saudades.



Os sonhos do M., do V. e da F.



Eu podia ter passado parte da infância aqui. Como o M. vai passar, oferecendo-me assim a possibilidade de viver em S. Pedro «uma segunda e mais perigosa inocência».



Este lugar faz parte da minha geografia. Deixei-o escrito num texto da mais recente edição da revista UP. Se perguntarem por mim nos próximos meses, estou a deslocar-me no ar. Com as raízes por debaixo do asfalto. PIM!




As raízes por debaixo do asfalto
Inês Fonseca Santos

As estradas que gosto de percorrer terminam onde estão os meus amigos. E a minha família, para usar a palavra onde cabe toda a minha condição geográfica. Não tenho, nunca tive, um só destino. Não tenho sequer, para o alcançar, um Chevrolet, como o guiado por Álvaro de Campos nuns versos em que o julgamos em Sintra, quando afinal a vila de majestosos segredos é apenas pretexto para se pisar o lugar imóvel do poema: "na estrada deserta/ (...) parece (...)/ Que sigo por outra estrada, por outro sonho".
Sento-me agora eu ao volante de um carro muito menos moderno e, noutro sonho, certa dos meus 9 anos, sigo pela estrada armadilhada que me aproximava de Santa Eugénia, a aldeia transmontana onde nasceu a minha avó e onde, petiscando cachos de uvas, acenava às gentes na procissão de Santa Bárbara. Por essa estrada que me ensinou a adivinhar as curvas ao Douro, a viagem demorava um dia. Ou assim me parecia. Sem me afligir: eu tinha tempo. Para além da certeza dos meus avós no fim da estrada. Por eles, ora regresso a Trás-os-Montes nos poemas de A. M. Pires Cabral, ora conquisto terreno em direcção aos amigos. Fiz alguns longe. Quase ao mesmo tempo, alguém fez auto-estradas. A A1, misteriosa e inaugural língua de alcatrão, pontua-se de arco-íris quando o destino é o Porto do Manuel António Pina. Dei conta disso no dia em que me despedi do poeta e, agora que ele finge não estar lá, continuo a segui-lo: janto no café Convívio com o Álvaro Magalhães, visito a livraria Papa-Livros para trocar histórias com a Adélia Carvalho e a Marta Madureira.
Os amigos, bem se vê, abrem cruzamentos nas estradas: é ainda no Porto que vejo mover-se "a cidade líquida" da Filipa Leal, poeta que me conduziu até às Quintas de Leitura do Teatro do Campo Alegre, onde o João Gesta instalou a poesia. Já lá levei outros amigos, a quem chego percorrendo a A8, auto-estrada que multiplicou as vias suspeitando da minha pressa de chegar ao lugar onde "[s]ão, de todas, as mais longas árvores,/ as da estrada que liga, pela mata,/ São Pedro de Moel à cidade onde homens fazem vidro, moldes,/ e eu fiz amigos: vidro, moldes/ desta vida de reparar em árvores/ longas e caminhos." Às vezes, em fila indiana pela A2, conduzo os amigos mais para sul: Tróia, Algarve, onde o mar se habituou a obedecer aos mergulhos dos nossos filhos. Outras vezes, repito-lhes a morada lisboeta que já conhecem de cor. E só quando estamos todos em minha casa, o Tejo a sul, o Jardim da Estrela a norte, reparo que das minhas janelas não se avistam estradas.

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